O contrato de parceria rural pode ser uma boa opção para o dono da terra e também para quem vai explorá-la. Veja todas suas vantagens e mais detalhes neste primeiro episódio da nova temporada do Santa Dica!
Nosso entrevistado é o Hugo Monteiro da Cunha: contador, especialista em direito tributário pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e gestão do agronegócio pela ESPM. Ele também atua há mais de 10 anos como consultor de empresas familiares do agronegócio.
O que é um contrato de parceria rural?
Vamos começar explicando o que diz a lei: o Estatuto da Terra fala que o contrato de parceria é um contrato agrário, em que uma pessoa tem a obrigação de ceder a terra para outra explorar, compartilhando os riscos inerentes da atividade.
E agora vamos falar no dia a dia. O que quer dizer de fato esse contrato de parceria onde o dono da terra cede a área para outra pessoa explorar? Eles acabam tendo os riscos da atividade conjuntamente, então, é como se eles fossem 2 produtores juntos.
Eu não estou arrendando a área para alguém produzir para conta e risco: nós corremos os riscos juntos. Esse é um dos pontos principais, mas também há as questões percentuais de ganhos estipuladas de acordo com o estatuto da Terra, respeitando a legislação e também cada produtor emitindo a sua própria nota. Tudo isso caracteriza o contrato de parceria rural.
Enfim, é uma relação que se por acaso houver uma safra recorde, todo mundo vai ganhar, mas se houver uma safra ruim, se tiver um infortúnio, todo mundo perde junto. Essa é a maior característica da do contrato de parceria rural
Ele é bastante utilizado de fato, mas é importante esclarecer alguns cuidados, porque às vezes há confusão do que que é de fato para enquadrar legalmente uma parceria. Muita gente fala informalmente que é uma parceria, mas na verdade às vezes se trata de um arrendamento, sendo que temos uma diferença muito grande entre esses dois tipos de contrato.
Qual é a diferença entre um contrato de parceria e um arrendamento?
A grande diferença entre o contrato de parceria e arrendamento é o risco, lembrando que o contrato de arrendamento é aquele que tem a maior segurança para o dono da terra.
No arrendamento o dono da terra vai entregar a área e vai ter um contrato que vai dizer que ele vai receber uma quantidade determinada de sacos de grãos ou Kg de boi, ou qualquer outro resultado da exploração agropecuária. Portanto, o dono da terra vai receber isso sem nenhum risco, mesmo se tiver uma frustração de safra o valor do contrato tem que ser cumprido, é como se fosse um aluguel de uma casa.
Já na parceria não ocorre dessa maneira, nós estamos correndo os riscos de quebra e os bônus juntos.
Por isso, temos que avaliar caso a caso qual tipo de contrato vale mais a pena. Algumas vezes vai ser o arrendamento que eu tenho aquela certeza, não tem o risco de de receber menos, e outras vezes compensa correr o risco com quem está explorando a terra.
Vamos nos atentar também que temos muitas variáveis na exploração agropecuária, que podem resultar em bônus ou prejuízos, como a variação de preços, além da frustação da safra já citada. Então, na parceria eu recebo o produto no meu percentual de acordo com aquele contrato e vendo esse produto de acordo com o preço do mercado. É claro que é possível vender a hora quando eu quiser, por valor maior ou menor.
Além disso, o próprio percentual também é um dos riscos e tem que ser respeitado, já que eu não posso ter valores fixos para configurar uma relação de parceria.
Quais são os tipos de contratos de parceria rural?
Os tipos também estão no Estatuto da Terra (quem rege o contrato de parceria é esse estatuto). No entanto, eles são mera formalidade e os nomes se dão de acordo com o que irá ser explorado: parceria pecuária, parceria de extração, parceria rural, parceria de grãos, etc.
Inclusive, podemos ter um contrato de parceria mista que vai regrar a relação de produção de grãos com pecuária, uma integração lavoura pecuária e outros.
Como funcionam as porcentagens de ganho para cada parte no contrato de parceria rural?
Para isso devemos nos atentar a várias questões: como está a terra hoje, como vai se dar essa exploração, qual relação eu tenho, etc.
Então, por exemplo, se eu estou entrando só com a terra nua, eu não tenho nenhum envolvimento de fato, eu não trabalho, não exploram atividade, eu não preparo a terra, portanto o máximo que dono da terra pode receber em troca é 20% do que foi produzido naquela área.
Então não podemos fazer um contrato e nós definirmos as porcentagens?
Não poderia, porque isso descaracteriza como um contrato de parceria rural. Então, se eu só entro com a terra, o máximo é de 20%.
Se eu entro com a terra preparada, ou seja, dou um auxílio no preparo, entro com insumos, aí já podemos começar a crescer esses percentuais. Se eu entro com tudo isso e mais maquinários, pode chegar a 50%.
E é exatamente isso que temos que entender completamente para um contrato de parceria rural adequado.
Também é muito importante compreender em qual tipo de parceria estamos tratando, caso seja com gado também temos outras formas de fazer o contrato, inserindo o ganho do peso e etc.
O que eu aconselho é primeiro saber de fato qual a relação teremos dentro do nosso negócio e analisar o estatuto da terra, verificando como podemos nos enquadrar e ser de fato uma parceria e não ter problemas com a receita federal porque isso pode resultar num custo tributário bem maior.
Temos um prazo definido para esse contrato?
Ele não tem o prazo máximo, porém temos um prazo mínimo de 3 anos. Então podemos até fixar um contrato sem delimitar prazo, sem data para encerrar. Mas se eu não coloco um prazo, a gente tem que saber que, no mínimo, ele vai valer por 3 anos.
Se fizermos um contrato de um ano já descaracteriza contrato de parceria rural?
Sim, se descaracterizaria, até porque a atividade agropecuária (em geral) realmente precisa de mais tempo para fechar um ciclo, dependendo do que for explorado, é claro.
E pode ocorrer também que somente um ano pegue um ano ruim, uma frustração. Então esses 3 anos assegurariam quem está usando a terra do direito de conseguir produzir e ter retorno financeiro daquela exploração.
Entrando em uma curiosidade, quando foi criado o Estatuto da Terra, em 1964, foi para proteger o trabalhador rural, onde tínhamos alguns contratos de parceria, que na verdade era um contrato trabalhista.
Por isso, essa legislação protege muito quem vai explorar a terra, como os limites para o recebimento de ganhos do dono da terra, o prazo mínimo do contrato, etc.
Mas hoje, os maiores cuidados que a gente tem é, principalmente, perante a receita federal, porque esse contrato de parceria é bem mais vantajoso tributariamente. Assim, temos visto contatos de arrendamento que as pessoas tentam dar um jeito para aparentar que é um contrato de parceria para ter um benefício tributário, mas a receita federal está muito rigorosa quanto a isso.
Quais são as vantagens do contrato de parceria rural?
Para o proprietário da terra temos as maiores vantagens porque ele paga muito menos imposto de renda. Uma pessoa física (fazendo uma conta por alto) ela pode pagar até 27,5% de imposto de renda em cima do valor que ela recebe, enquanto na parceria é pago no máximo 5,5%.
Como já citamos, é por isso que muitos tentam forçar um contrato de parceria rural quando na verdade são outros contratos, especialmente o de arrendamento. Porém, se não tiver o risco em conjunto, não importa o nome que está no contrato, mas não for caracterizado o risco de fato é caracterizado como arrendamento e vai tributar em uma possível autuação da receita a 27,5% + multas.
Embora a grande vantagem seja a questão tributária, para quem explora a terra também temos a vantagem que em um ano de frustração de safra será pago um valor menor ao dono da terra.
Em geral, temos que pensar no risco que o empreendedor tem, em qualquer decisão que você tomar temos os prós e os contras e aqui sempre faço uma analogia com uma aplicação financeira: a mais segura paga menos, a que temos mais riscos, normalmente paga mais.
A mais segura aqui seria o arrendamento: ele é superseguro, eu vou receber o meu valor no final da safra, independentemente de como ela for, mas também eu vou ser mais tributado.
Já na parceria eu corro um risco maior, como numa aplicação financeira de mais risco, mas meu resultado pode ser maior e com menor tributação;
Temos que verificar todos os fatores caso a caso. Por exemplo, se for uma numa região que está acostumada com seca, como no Sul que há 3 anos temos safras ruins, será que compensa o contrato de parceria rural?. Então tudo isso tem que ser levado em consideração.
No caso de uso da terra o pagamento ao dono da terra deve ser fixo ou sempre variável?
No contrato de parceria o pagamento sempre vai ser variável. Então, no momento que eu fixo no contrato de parceria eu não tenho risco, então teremos outro contrato.
O Estatuto da Terra permite algumas prefixações, ou seja, eu posso dizer que vai ser pago adiantado algum valor e lá no final do contrato, no final da safra fazer o ajuste, especialmente se adiantou mais do que realmente aquele parceiro tinha direito.
Mas temos que ter cuidado também para não usar isso como artifício. Não é de pegar um contrato de arrendamento e tentar caracterizar ele como parceria porque, repito, a gente nunca vai conseguir ter a total segurança com o pagamento menor de imposto.
Pode até parecer que temos segurança, mas numa autuação, o que a receita federal vai querer ver é o que de fato existe dentro da da propriedade, e se não houver risco em conjunto não é parceria. Com isso teremos uma atuação com multas e pagamentos retroativos.
Quais os principais cuidados que o produtor deve ter ao tomar um contrato de parceria rural?
O primeiro deles é tentar não mascarar um arrendamento quando não é realmente esse tipo de contrato. É preciso decidir: vou querer tomar mais risco e pagar menos imposto, ou vou ter mais segurança e pagar um imposto maior?
O segundo cuidado é fazer sempre ao final de de cada safra termos de quitação naquela safra. Então, discriminar tudo o que foi produzido e comprovar também que houve aquele resultado e que foi feito o percentual.
Terceiro ponto, também muito importante, é a questão da do registro do contrato. É uma dúvida muito comum entre os produtores, porque até o ano 2000 tinha uma norma específica da receita federal que obrigava a ter o registro, só que no Estatuto da Terra, que é o que rege de fato, temos que o contrato pode até ser verbal.
Porém, para não ter problema nenhum a gente sugere que, no mínimo, se não for registrado esse contrato, que tenha firma reconhecida em cartório na data ou próximo a data que se firmou.
Isso é uma alternativa válida para comprovar para a receita que de fato existe aquele contrato de parceria. Então não preciso registrar de fato o contrato, como era obrigatório até 2000, mas pelo menos eu tenho uma firma reconhecida. Assim, caso contestem a validade daquele contrato e não tem prova nenhuma de que foi assinado lá atrás, a defesa fica muito frágil.
Além disso, falamos muito da receita federal, mas temos que lembrar que há duas partes envolvidas nisso e que podem entrar em litígio em qualquer questão, até em devolver benfeitorias feitas em ressarcimento de de gastos.
No verbal a gente vai contar com a palavra, mas às vezes o produtor rural vem a faltar e quem assume são os filhos e temos algumas dificuldades no caminho. Por isso o ideal é ter sempre um contrato, reconhecer a firma para estar resguardado tanto com a receita, tanto com algum problema que possa dar entre os parceiros.
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Santa Dica
O Santa Dica, podcast de perguntas e respostas da Santa Helena Sementes, convida especialistas experientes do agro para responder dúvidas abordando os temas mais relevantes e debatidos do setor agropecuário, especialmente relacionados às culturas de milho e sorgo.
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